sexta-feira, 19 de julho de 2013

EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO USO DA ALGEMA

Evolução legislativa das algemas


O Código Criminal do Império de 1830 em seu art. 44 sujeitava os condenados às penas de galés, a andar com calcetas no pé e correntes de ferro, juntas ou separadas, e a empregar-se em trabalhos públicos da Província onde houvesse sido cometido o delito, à disposição do Governo.  Referida norma, no entanto, não sujeitava as mulheres, os menores de 21 anos e os maiores de 60.
Após o Código Criminal de 1830 veio o nosso Código de Processo Penal datado de 03/10/1940, que, conforme mencionado acima, não previu expressamente o uso de algemas, mas a sua utilização, entretanto, tem amparo nos seguintes artigos:
 “CPP, Art. 284 – Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”.
“CPP, Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas”.
Referidos artigos autorizam o emprego da força no caso de resistência ou de tentativa de fuga, mas não diz como a força será executada, se será por meios de objetos ou meio da força braçal.
A esse respeito, são as palavras de Fernanda Herbella,
“A lei, neste caso foi lacunosa quanto aos meios contentores da força, motivando vários doutrinadores a criticarem-na, tentando de alguma maneira suprir aquela lacuna deixada pelo próprio legislador”. (HERBELLA, 2008. p. 45).
Assim, diante da lacuna da legislação vigente, podemos concluir que a palavra força, utilizada pelo Código de Processo Penal, em seu art. 284, não significa apenas capacidade física, mas sentido amplo e geral, deixando ao agente a faculdade de estabelecer o quantum e a espécie de força a ser utilizada, nascendo assim a possibilidade de se recorrer às algemas, correntes, cordas, laços camisa de força para não permitir que a reação à prisão ou a tentativa de fuga vença.
Após o Código de Processo Penal, veio, por meio do decreto lei 1.002/1969, o Código de Processo Penal Militar, para disciplinar o procedimento em casos de crimes militares, previstos no Código Penal Militar.
Referido Código trouxe em seu artigo 234, e § 1° regulação específica sobre o uso das algemas, vejamos:
“Art. 234. O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto, subscrito pelo executor e por duas testemunhas.
§ 1º O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o artigo 242.”
Conforme citado anteriormente, referida norma apenas regula crimes militares, assim, o uso das algemas para pessoas que cometiam crimes comuns ainda não havia regulamentação expressa.
Em 1984 surgiu a Lei de Execução Penal, lei n°. 7.210, de 11/07/1984, onde mais uma vez o uso de algemas foi citado no artigo 199. O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal.  
Portanto, na forma definida em lei, o emprego de algemas exige a necessária regulamentação através de um decreto federal. E, desde a criação da Lei de Execução Penal em 1984, “mais de 20 anos se passaram e ainda carece o ordenamento jurídico pátrio do decreto regulamentador do referido artigo, para que a lei federal possa então ter algum sentido e aplicabilidade na prática” (HERBELLA, 2008, p. 62), apesar de haver na Câmara dos Deputados, 11 (onze) projetos de leis apensados sobre o tema, tramitando em conjunto, aguardando votação.
A regulamentação do uso de algemas em nossa legislação de forma expressa, somente veio ocorrer no ano de 2008 por meio da lei 11.689 de 09 de Junho de 2008, com a reforma do Procedimento do Tribunal do Júri.
Portanto, em dois artigos do nosso Código de Processo Penal as algemas estão mencionadas, vejamos:
“Art. 474. A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção.
§ 3º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. (grifei)
Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:
I - à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado”;(grifei)
É de se ressaltar que esta lei não veio regulamentar o art. 199 da LEP, estes artigos se aplicam somente aos julgamentos perante o Tribunal do Júri.
Mas, após a lei acima mencionada, que normatiza o emprego das algemas durante o Tribunal do Júri veio ainda a Súmula Vinculante nº 11 reforçar, expressamente, como será a utilização das algemas no sistema jurídico brasileiro, a qual analisaremos nos capítulos seguintes.
Verifica-se que o uso de algemas de forma tácita sempre foi regulamentado e de forma expressa passou a ser com a edição da lei 11.689 de 09 de Junho de 2008 regulamentando no Tribunal do Júri, assim é estranho notar que o STF veio perceber a necessidade de consolidar o entendimento a respeito do uso das algemas somente quando a mídia passou a noticiar prisões de pessoas do alto escalão público, empresário, banqueiros, políticos.
Foram necessários 400 anos de correntes de ferro maltratando escravos, durante a Colônia e o Império, e 120 anos de República, para que os juízes brasileiros percebessem as algemas que estavam nos punhos de pobres sem bermuda, sem camisa, inclusive nas ultimas décadas, nas telas da televisão, quase todos os dias. Esse atraso na percepção não decorre apenas da falta de sensibilidade que caracteriza a elite brasileira, mas também do fato de que, na lógica jurídica, os juízes só vêem o que é mostrado e apresentado sob a ótica e o argumento de advogados. Tornou-se preciso que a Polícia Federal algemasse suspeitos ricos e bem vestidos e que seus advogados protestassem para que o uso de algemas fosse abolido tanto nos ricos quanto nos pobres. Sorte do pobre quando seu julgamento coincide com o processo contra um rico pela mesma causa. (BUARQUE, 2008, pg. 31).

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